O grafite das ruas agora também está na escola
Conhecer as técnicas dessa manifestação e
destacá-la como arte urbana e contemporânea é oportunidade de discutir a
estética das cidades e as intervenções do artista no patrimônio público
Ao observar as referências,
os alunos da EMEF 25 de Julho ampliaram o repertório e analisaram as características
de vários grafiteiros.
Há pouco tempo, o grafite era considerado sinônimo de
pichação e não ganhava espaço nas discussões sobre arte. Quando foi criado, na
década de 1970, fazia parte do hip-hop, movimento cultural que envolvia música
(o rap e o hip-hop) e dança (a street dance). Isso ocorreu na
periferia de Nova York, se espalhou pelo mundo e manteve a característica de
expressão de rua dos centros urbanos.
A qualidade estética de artistas que começaram
sua carreira grafitando, caso do norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988),
chamou a atenção de historiadores e curadores de museus, que passaram a inserir
obras deles em algumas exposições. Ainda é possível notar as semelhanças entre
pichação e grafite - já que ambos usam tinta látex ou spray para pintar, têm
como suporte os muros ou paredes, e como temas mais comuns, a denúncia, a
crítica ou a contestação. Mas no grafite as técnicas geralmente são mais
apuradas e lançam mão de efeitos e de cores que a pichação não contempla. Além
dos grafiteiros Osgemeos, dois irmãos que fazem sucesso no mundo todo, outros
nomes também compõem o cenário atual brasileiro e são referências dessa arte,
como Carlos Dias, Daniel Melim, Titi Freak e Zezão.
Olhar o entorno, experimentar e deixar uma marca na escola
Falar sobre a história dessa manifestação, apresentar o
trabalho dos grafiteiros, discutir sobre o aspecto da legalidade e do uso do
espaço coletivo gera discussões riquíssimas na escola. José Minerini Neto, da
Universidade Anhembi Morumbi, na capital paulista, indica ainda a discussão
sobre outras experiências. São as histórias dos artistas Banksy e Princess
Hijab, que assinam grafites, mas não revelam sua identidade real. Banksy pinta
sobre questões políticas em Londres e Hijab atua em Paris, desenhando um véu
islâmico sobre anúncios.
Interessado em trabalhar os diversos aspectos do tema com os
alunos do 6º ao 9º ano, que estudam no período integral da EMEF 25 de Julho, em
Campo Bom, a 57 quilômetros de Porto Alegre, o professor de Arte Jasom Souza
implementou oficinas de grafite no contraturno. "Há pinturas nos muros ao
redor da escola e em toda a cidade. Achei que era preciso discutir sobre
isso", explica. Ele elaborou um projeto com pesquisas, estudos da técnica
e - para a alegria dos estudantes - grafites na escola.
Para Erinaldo Alves do Nascimento, da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), o trabalho em classe pode ser iniciado com base em duas
perguntas: "Desde quando as paredes ou os muros são usados como suporte de
uma criação visual?" e "Quando o grafite passou a ser considerado
modalidade de arte?". Com isso, além de aprenderem que essa arte não foi
bem-vista na época de sua criação, os jovens podem ser apresentados ao
muralismo - movimento importante no modernismo brasileiro e latino-americano
que usava o muro como suporte e tem como protagonistas o brasileiro Di
Cavalcanti (1897-1976) e o mexicano Diego Rivera (1886-1957). Outra
forma de encaminhar o trabalho pode incluir entrevistas com pedestres e
proprietários de imóveis que tiveram os muros de casa desenhados, assim como
uma conversa com grafiteiros e pichadores locais. "É o momento de dialogar
sobre as diferentes propostas que existem, chamando a atenção dos estudantes
para o diálogo entre imagens, espaços e elementos da arquitetura", indica
Marisa Szpigel, coordenadora de Arte da Escola da Vila, na capital paulista.
É essencial também incluir na discussão a experiência dos
adolescentes. Muitos deles podem ser pichadores ou grafiteiros, ter contato com
alguns ou ainda ter uma posição a respeito do assunto, o que enriquece a
discussão com informações atuais e contextualizadas. Por fim, não deixe de
apresentar referências. "É uma oportunidade para que o grafite ganhe outro status e todos
ampliem suas referências de arte por meio de uma linguagem que já nos é tão próxima",
defende Mirca Bonano, coordenadora do Prêmio Arte na Escola Cidadã.